segunda-feira, 9 de julho de 2007

Crítica e ruptura com os ratos destrutivos


Fragmentos. Consumo. Ironia. Desejo. Marca. Mercado. Manipulação. Efemeridade. Palavras que compõem o universo criado no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, na instalação Revolver, de 8 de maio a 5 de agosto de 2007, que trás a reconstituição de roupas produzidas para um desfile do São Paulo Fashion Week, em 2004. São peças de papel vegetal que foram destruídas pelas próprias modelos na passarela, uma criação inovadora (e cheia de conceitos) do estilista Jum Nakao, formado em artes plásticas; do cenógrafo Julio Dojcsar, especializado em intervenções urbanas; e do cineasta Kiko Araújo. Elaborada especialmente para o espaço do museu, a mostra conduz por um caminho de idéias cuidadosamente articulado para estimular o pensamento crítico dos visitantes.
Tudo começa com uma simulação de três fotografias gigantes, em preto e branco, de bonecas com cabelos que lembram o brinquedo playmobil e vestidas com roupas de papel vegetal idênticas às utilizadas no SPFW. Passamos, então, por um simulacro de imagens de modelos usando as mesmas peças das bonecas anteriores, com o mesmo cabelo de plástico, ares robóticos e a mesma maquiagem branca com boca e olhos negros. Depois somos conduzidos para as fotos dos bastidores da produção e, como final e começo, chegamos ao popular “olho de Niemeyer”, o último andar do museu que tem a forma de um olho gigante.
Neste espaço, estão manequins de loja com algumas roupas da coleção, dispostas numa vitrine com dezenas de palavras que ajudam na definição do conceito de toda aquela obra. Também fazem parte do ambiente algumas prateleiras que lembram supermercados. É a única parte colorida da instalação. São 800 frascos transparentes de plástico e cheios de líquidos de cores intensas que variam entre amarelo, azul, vermelho e verde, que podem ser adquiridos por R$ 199,00 cada. E chegamos ao mais esquisito: uma espécie de rato popularmente conhecida como Gerbil.
Numa pequena maquete de vidro em forma de olho, eles roem os vestidos de papel vegetal e os bonecos de papel machê, tudo em miniaturas de 30cm refletido numa parede expositiva de 6m de altura por 28m de comprimento. Detalhe: as pessoas que observam os ratinhos também podem se ver no “telão”.
Se tivesse que resumir a instalação, diria que Revolver, assim como o desfile, é uma crítica ao consumo e à sociedade massificada. É uma mostra que estimula o questionamento e a reflexão do público. Mas é preciso retornar à idéia motivadora do desfile para entendermos toda a exposição.
Há poucos meses do SPFW 2004, o trio não conseguia definir o que seria produzido para o evento. Foi quando Morin surgiu como fonte inspiradora para que eles fugissem das ações óbvias e buscassem novos horizontes. O desafio era unir o gosto popular que o mercado da moda exige com um tipo de arte contemporânea que causasse estranhamento, encantamento e incômodo.
Foi assim o início da elaboração dos vestidos de papel, elemento comum, próximo a nós e descartável, cuidadosamente bordados a laser para que se tornassem únicos e desejados. O conceito por detrás da forma era de que as pessoas quisessem o cuidado e a eternidade daquelas peças diante de toda fragilidade do papel.
A destruição de tudo, tanto pelas modelos, em 2004, como pelos ratos na instalação, é a exposição máxima do caos e a ruptura com o mundo fútil da moda que traz em si valores como o consumismo, a massificação e a efemeridade, o que nos lembra a frase de Marx “tudo o que é sólido desmancha no ar”, representando a pouca duração dos elementos da vida atual e, mais que isso, a quebra das regras, dos valores existentes e não questionados que transformam os indivíduos em marionetes manipuláveis, de conteúdo igual, representados na mostra por frascos com cores que garantem a atração e têm a mesma essência: água e corante.É a produção em série de objetos e pessoas, mas colocados como se fossem exclusivos.
E o rato está ali como uma praga destrutiva que se multiplica sem controle, também representando o consumo frenético, que apesar de ser um mal para a sociedade, aparece de forma carismática e encantadora. Esses são os segredos do mercado.
Além disso, era necessário que houvesse um elemento lúdico de identificação imediata com cada espectador para que se sentissem como parte daquele universo. Daí surgiu a idéia de usar o cabelo do boneco playmobil, imagem bastante popular. Um ícone perfeito, já que também expressaria a massificação social.
E tudo é feito com reflexo e repetição que nos leva sempre de volta à mostra. É como se não houvesse saída ou solução para o consumismo ao qual nos submetemos da mesma forma que acontece no inferno de Sartre, na peça Entre Quatro Paredes, em que as personagens, por estarem submetidas ao olhar do outro, não conseguem alcançar autonomia nem liberdade. É a tal da estética, do social, que nos faz perguntar sobre “o que outros vão pensar de mim?”. E o mercado sabe muito bem como utilizar isso transformando marcas em estilos de vida.
É verdade que eu não entendi o porquê da instalação ser toda em preto e branco, com exceção apenas da parte que comporta os frascos plásticos. O que me conforta é imaginar que a platéia presente no SPFW, que aparece no vídeo (abaixo) comemorando a destruição das roupas, tenha entendido bem menos que eu. Principalmente as pessoas da primeira fileira (rrsssssssss). Diria até que elas não faziam idéia do que estavam aplaudindo. E tudo o que aconteceu de nada serviu para mudar esse público nem o evento. Como declarou Jum Nakao, no filme A Costura do Invisível, o desfile não conseguiu transformar nada ao redor. A modificação aconteceu apenas na vida de cada um dos que produziram aquela coleção.
LLL

segunda-feira, 2 de julho de 2007

A concepção de atores e cenários em um único homem

Julio Adrião. Louvável. Não conseguiria traduzir, aqui, em palavras, o que este ator constrói no palco. Durante um monólogo em que encena desde a índia do corpinho perfeito até o espanhol grosseiro e assassino, Johan Padan, o narrador-personagem italiano, conta suas aventuras na peça A descoberta das Américas através de onomatopéias, palavras e expressões. Sozinho em cena. Sem nenhum objeto como auxílio.
Confesso que quando vi o título nem me interessei pelo tema. Mas até eu, típica introvertida que costuma rir só por dentro em eventos artísticos e culturais, tive de ceder à performance que se desenrolava a quatro metros da minha poltrona, com apenas um ator multiplicado em vários, lotando o palco.
E tudo começa com uma fuga de Johan que o faz entrar na caravela “de um tal de Cristóvão” e seguir para Sevilha, onde ele começa a ter contato com as primeiras frutas típicas, índios e nativas sem muitas reservas, além de presenciar, assombrado, um massacre dos colonos sobre os colonizados.
Depois de um longo período, cansado e querendo voltar para casa, consegue partir numa embarcação acompanhado de quatro amigos. Mas eis que naufragam e o jeito é utilizar uns porcos que estavam no barco como novo meio de transporte aquático, já que, segundo a personagem, são animais que bóiam e possuem senso de direção infalível.
Assim, agarrados em porcos, chegaram à Flórida! Só não contavam com os índios locais que trocariam os cinco amigos por cinco caixotes de caranguejos com uma tribo canibal, habitante de outras terras.
Mas Johan, com seus métodos malandros, consegue se livrar do caldeirão e ainda se torna o Deus do Sol e da Lua.
Idolatrado e prevendo uma futura dominação e um novo massacre, tenta catequizar cerca de cinco mil nativos que ficam eufóricos com a idéia de uma nova religião.
Fazendo algumas mudanças nas histórias bíblicas para facilitar a compreensão dos índios, Johan substituiu a maçã pela manga, a pomba do Espírito Santo por Maria e os doze apóstolos foram divididos entre seis homens e seis mulheres. A única parte que os alunos suspeitaram de possível alteração foi no momento da explicação sobre a ressurreição, esta contada sem acréscimos nem cortes.
O tempo todo é como se estivéssemos lendo um livro ou escutando um conto de fadas. A ausência de cenário desperta nossa imaginação de acordo com o que vai sendo dito, expresso pelo rosto, corpo e por ruídos.
Merecidamente vencedor do Prêmio Shell 2005 de melhor ator, Adrião possui capacidade de concentração e técnica de respiração invejáveis. Utiliza como ninguém a rapidez que a comédia exige. Um suor que lhe cai como água para fazer parte da peça nos deixando exaustos e admirados com a aula de oratória, colocando no chão qualquer cursinho do tipo “a arte de falar em público”. São construções de falas perfeitas, sem qualquer escorregão durante os noventa minutos de apresentação.
Eleva nossa consciência. Revigora nossa relação com o teatro nos mostrando quão renovadora é essa experiência, naturalmente que do lado de cá da platéia, pois, como fica claro ao final da peça, certos papéis não podem ser exercidos pelos que apenas gostam disso ou daquilo. É preciso muito mais. Talento é essencial, fundamental. E Julio Adrião tem qualidade inata para fazer teatro.