segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Mataram Irmã Dorothy, e aí?

Filmoteca

Mataram Irmã Dorothy. O título é pobre e ultrapassado, sem impacto nem novidade, características que não se restringem apenas ao nome do documentário. Recém-lançado (2008) e dirigido pelo norte-americano Daniel Junge, esse é um dos filmes que fazem parte do Festival de Cinema do Rio de Janeiro que começou, nesta semana, com as cabines de imprensa. Quem sabe poderia ter sido um longa até razoável, mesmo improdutível, se estivéssemos em 2006, no auge do processo.
No início, imagens da Amazônia apresentadas junto a um texto narrado pelo ator Wagner Moura com um ar imponente de credibilidade inabalável. Na seqüência do clichê que coloca o Pará como a terra sem lei, ainda temos que compartilhar da idéia de devastação avassaladora e aterrorizante da floresta em dados que até eu me sinto queimada.
Os primeiros indícios apontavam para a elevação da imagem de forasteiros colonizadores representados pela Irmã Dorothy Mae Stang, tida como o Anjo da Amazônia, que teria colaborado com a implementação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), motivo de discussões e desaprovado pela grande maioria dos agricultores locais que até hoje procuram um meio de subsistência na famosa e conturbada Terra do Meio.
É, então, que a história muda. Aparecem moradores de Anapu criticando a forma com que a missionária impunha suas idéias em defesa de um pequeno grupo que aparece ao longo do documentário chorando a perda de Stang.
Indiciada, em 2004, por colaborar indiretamente com trabalhadores rurais envolvidos na morte do segurança de um fazendeiro da região, como o próprio Delegado da Polícia Federal Ualame Machado Filho confirmou nervoso diante do júri e humilhado ante a defesa, é dispensável dizer que o lado contra a conterrânea do diretor é bem mais limitado e superficial do que deveria.
Indiscutivelmente, Dorothy (e os produtores) tinha um álibi essencial a seu favor e do PDS: o agora ex-procurador-chefe do Pará, Felício Pontes Jr, o mocinho da trama, que apesar do, pelo menos, aparente esforço com reuniões e viagens, não conseguiu melhorias na região por falta de apoio federal.
Ainda no núcleo bom da história, aparecem os promotores Sávio Brabo e Edson Cardoso, com atuações pífias, de chorar, perdidos junto aos aliados nos emaranhados de papéis da ação bem em frente ao juiz.
Assim como a acusação (que de tão ruim era quase uma defesa), os vilões, representados pelos réus e advogados criminais Eduardo Imbiriba e o centenário Américo Leal, aparecem mais na terceira e última parte do filme.
Sem surpresas, o documentário mostra os julgamentos, as prisões, a intromissão ilegal e clandestina do FBI desrespeitando a soberania nacional e as solturas dos dois fazendeiros acusados de serem os mandantes do crime.
A falta de dados novos e a mera reprodução dos fatos são os maiores problemas. Gera uma sensação de indiferença, sem falar que, para quem não conhece o caso, deve ser um confuso entra e sai de pessoas tratando, em cortes, de um assunto que não é dos mais simples.
Na verdade, acho que a idéia do longa era uma e foi mudando ao longo do processo quando perceberam que “o buraco era mais embaixo”. Não apenas a luta de uma missionária mártir sozinha que renegou tudo para ajudar os outros, mas um complexo sistema fundiário difícil de ser entendido, mais até por quem vem de fora. Assim, dizem que tudo que não serve para nada pode servir para qualquer coisa. Neste caso, o filme soa como mero arquivo de prateleira empoeirada.


*Texto pro tio Ronaldo Pai que ontem cobrou atualização do blog e pra minha mãe, minha leitora mais assídua.