quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Copiando...

'No lixo e no cinema,
o importante é
reciclar!'

LLL
Nosso entrevistado deste domingo é Ronaldo Passarinho Filho, jornalista, documentarista e apaixonado por cinema. Até hoje agradece a Pedro Veriano e ao saudoso Alexandrino Moreira a oportunidade que lhe deram de mergulhar nos clássicos da Sétima Arte. Como diretor, esteve à frente da série 'Lenda Amazônicas', de 1998, e do documentário 'Da Paz – o Theatro da Amazônia', de 2004. Como crítico, assina a coluna Zoom, em O LIBERAL, e o Blog de Cinema do Portal ORM, além de ser redator da Revista Cinética. A seguir, confira o que Ronaldo pensa sobre o cinema nacional, incentivos fiscais, pirataria entre outros assuntos.
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Por Iva Muniz
Fotos Marcos Morteira
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Troppo - Como surgiu a paixão por cinema?
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Ronaldo - Minha mãe sempre me levava ao cinema quando eu era criança. E não só para filmes infantis. Lembro de ter visto com ela 'Branca de Neve e os Sete Anões', mas também 'A Felicidade Não Se Compra', entre muitos outros. Mas quero destacar duas pessoas que me permitiram ter essa formação: Pedro Veriano e Alexandrino Moreira, falecido recentemente. Graças ao empenho cineclubista do Pedro pude conhecer ainda garoto filmes de Griffith, Murnau e Stroheim. E nos Cinemas I e II, do Alexandrino, pude acompanhar Hitchcock, Glauber Rocha, Bergman, Fassbinder e Fellini. Tive a sorte de crescer na época em que Pedro e Alexandrino fizeram de Belém um paraíso da cinefilia.
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Troppo - Por que você foi morar no Rio de Janeiro?
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Ronaldo - Morar no Rio me permite ter acesso a filmes que não chegam a Belém. Não apenas em mostras e festivais, mas nos circuitos comercial e alternativo. Com o fim do grupo Cinearte, ficou difícil ver bom cinema em tela grande na ‘Terra do Moviecom’. Belém tem uma locadora de altíssimo nível, a Fox, com uma seleção imbatível de clássicos. Mas até quando? O futuro não é muito promissor para as locadoras. O melhor amigo do cinéfilo em Belém é mesmo o PC. Só baixando filmes pela internet o cinéfilo paraense pode se manter antenado com o que há de bom no cinema hoje.
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Troppo - Mas Belém não tem novos adoradores de cinema?
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Ronaldo - Ainda bem que há uma nova geração que tenta dar continuidade ao trabalho do Pedro Veriano. Adolfo Gomes, quando morava em Belém (hoje em Salvador) organizou várias mostras de clássicos. Os estudantes do Cefet (antiga Escola Técnica) bolaram o ‘Transformação’ e trouxeram filmes de Takashi Miike e Kyioshi Kurosawa. Aerton e Fábia Martins andam organizando sessões malditas no Líbero Luxardo, com exibições de obras-primas como 'Mórbida Curiosidade' e 'Prelúdio para Matar'. Felipe Cruz, Mateus Moura e Miguel Haoni criaram o Cine UEPA, espaço onde podem exibir e debater filmes importantes, como 'Magnólia'.
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Troppo - A fase do cinema brasileiro hoje é boa ou ruim?
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Ronaldo - Gasta-se muito dinheiro no Brasil com um punhado de 'filmes de prestígio' que ninguém quer nem vai ver. Falta por aqui uma produção consistente de filmes de gênero. Não falo de comédias como 'Se Eu Fosse Você' nem de melodramas como 'Olga', que têm seu espaço, mas de filmes policiais, de ação, de horror. E não precisamos macaquear a sintaxe dos blockbusters hollywoodianos. As convenções do filme de gênero são universais. A Argentina, por exemplo, produz bons filmes policiais. Não por acaso, duas das maiores bilheterias dos últimos anos foram de filmes de gângster: 'Cidade de Deus' e 'Tropa de Elite'. E o primeiro foi quase todo bancado pela produtora de Fernando Meirelles.
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Troppo - O governo federal continua devendo maior incentivo?
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Ronaldo - Não adianta aumentar o incentivo fiscal. Não faríamos mais filmes. Faríamos filmes mais caros, só isso. Quem pode ajudar são os milionários filantropos que não precisem recorrer às leis de incentivo e que escapem, assim, do dirigismo cultural que privilegia filmes com assuntos 'socialmente relevantes'.
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Troppo - Qual a sua avaliação sobre 'Tropa de Elite' e como você percebeu a reação do público ao filme?SSS
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Ronaldo - 'Tropa de Elite' é, antes de tudo, um bom filme de gênero. É claro que somente a habilidade de José Padilha na condução das cenas de ação, não explica o fenômeno de vendas de cópias piratas. Mas é um exemplo de filme que trata de assuntos 'socialmente relevantes' respeitando convenções de gênero e deve a isso muito de seu sucesso. É o oposto de um 'Araguaya – A Conspiração do Silêncio', que tenta catequizar o espectador sem se dar ao trabalho de seduzi-lo, e não por uma opção brechtiana de distanciamento, mas por incompetência.
LLL
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Troppo - A pirataria é um problema sem solução?
LLL
Ronaldo - A pirataria é um problema para quem? Para quem não tem dinheiro para ir ao cinema, a pirataria não é um problema, é uma solução. Nunca tantos brasileiros tiveram acesso a tantos filmes quanto hoje, graças à pirataria. E não há pirataria, há piratarias. A lei põe no mesmo saco o cinéfilo que baixa filmes pela internet para ver em casa, o mafioso que copia filmes em grande quantidade para vendas, o camelô que vende essas cópias e o sujeito que compra essas cópias porque não tem dinheiro para levar a família ao cinema. Ou prendem todo mundo ou usam a cabeça e mudam as leis. Felizmente, Gilberto Gil vem propondo alternativas para nossa antiquada Lei de Direito Autoral.
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Troppo - Incomoda ir ao cinema e ver somente artistas globais no filme?
LLL
Ronaldo - Não. O 'star system' ajuda a vender filmes. Nos Estados Unidos, celebridades do cinema dão peso a séries de televisão. No Brasil acontece o contrário. E não vejo nada de errado nisso.
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Troppo - Apesar de o Pará ter muito sobre o que falar, o cinema paraense ainda não se faz presente para contar essas histórias. Por quê?
LLL
Ronaldo - Por que não há longas-metragens sendo produzidos no Piauí, por piauienses, ou no Acre, por acreanos, mas há no Ceará, por cearenses, e em Pernambuco, por pernambucanos? Não sei...
LLL
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Troppo - Quais os filmes que você indica para os mais jovens?
LLL
Ronaldo - Filmes mudos. Voltem ao começo. Descubram que tudo o que está sendo feito hoje já foi feito nos primórdios do cinema. A busca por originalidade a qualquer preço é um beco sem saída. Câmera na mão? Abel Gance já usava em 1927. Até arremessava câmeras pelo ar. No lixo e no cinema, o importante é reciclar.
LLL
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Troppo – Você tem algum trabalho em fase de produção ou realização?
LLL
Ronaldo - Estou escrevendo o roteiro de uma história em quadrinhos em parceria com meu amigo Bené Nascimento, internacionalmente conhecido como Joe Bennett, um grande talento paraense que ainda é, infelizmente, pouco reconhecido na terrinha.
LLL
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Troppo - Qual a sua dica para quem quer seguir a carreira de cineasta?
LLL
Ronaldo - Ganhar na Mega Sena e produzir seu próprio filme.
LL
Fonte: jornal O Liberal, em 25.11.07